Apologética - S. Agostinho

Apologética - S. Agostinho

Agostinho. Bispo de Hipona (354-430), fez sua pere­ grinação espiritual do paganismo grego, passando pelo dualismo maniqueísta, pelo neoplatonismo (v.Plotino), e finalmente ao teísmo cristão. Sua mente privilegiada e enorme produção literária fizeram dele um dos teólogos mais influentes do cristianismo.

Fé e razão. Como todos os grandes filósofos cris­ tãos, Agostinho lutou para entender a relação entre fé e razão. Muitos apologistas tendem a destacar a ênfa­ se de Agostinho sobre a fé e menosprezar sua valori­ zação da razão na proclamação e defesa do evangelho (v. fideísmo; apologética pressuposicional). Enfatizam passagens em que o bispo de Hipona colocou a fé an­tes da razão, como: "Creio para que possa entender".

Na verdade, Agostinho disse: "Primeiro crer, depois entender" (Do Credo, 4). Pois, "se desejamos saber e depois crer, não conseguiremos nem saber nem crer" (Do evangelho de João, 27.9).

Se tomadas separadamente, essas passagens po­ dem passar uma impressão errônea acerca do ensinamento de Agostinho sobre o papel da razão na fé cristã. Agostinho também acreditava que há um sen­ tido em que a razão vem antes da fé. "Ninguém real­mente acredita em alguma coisa antes de achar que ela merece crédito". Logo,"é necessário que tudo em que se acredita seja aceito depois de o pensamento abrir o caminho" (O livre-arbítrio, 5).

Ele proclamou a superioridade da razão quan­do escreveu:

É impossível que Deus odeie em nós o atributo pelo qual nos fez superiores aos demais seres vivos. Devemos, portanto, recusar-nos a crer de um modo que não receba ou não bus­ que razão para nossa crença, uma vez que sequer poderíamos crer se não tivéssemos almas racionais (Cartas, 120.1).

Agostinho chegou a usar a razão para elaborar uma "prova da existência de Deus". Em O livre-arbítrio, ele argumentou que "existe algo acima da razão humana" (Livro ii, cap. 6). Além de poder provar que Deus exis­ te, a razão é útil no entendimento do conteúdo da men­sagem cristã. Pois, "como pode alguém crer naquele que proclama a fé se (para não mencionar outros fa­ tores) não entender a própria língua daquele que a pro­clama?" (Citado em Przywara, p. 59).

Agostinho também usou a razão para remover ob- jeções à fé cristã. Referindo-se a alguém que tinha dú­ vidas antes de se converter, escreveu: "É razoável que
 ele tenha perguntas sobre a ressurreição dos mor­ tos antes de ser admitido aos sacramentos cristãos".

Ainda mais, talvez também lhe deva ser permitido insistir em dis­ cussões preliminares quanto à questão proposta a res­ peito de Cristo - por que ele teria vindo tão tardiamen­ te na história mundial, bem como a algumas perguntas sérias, às quais todas as outras são subordinadas (Car­ tas 120.1,102.38).

Em resumo, Agostinho acreditava que a razão hu­ mana era usada antes, durante e depois de alguém de­ positar sua fé no evangelho.

Deus. Para Agostinho, Deus é auto-existente, o eu sou o que sou. Ele é substância não-criada, imutável, eterna, indivisível, e absolutamente perfeita (v. Deus, natureza de). Deus não é uma força impessoal (v.panteísmo), mas sim um Pai pessoal. Na verdade, ele é tripessoal: Pai,Filho e Espirito Santo (v.trindade).Nes­ sa substância eterna não há nem confusão de pessoas nem divisão de essência.

Deus é onipotente, onipresente e onisciente. É eterno, existente antes do tempo e além do tempo.

É absolutamente transcendente em relação ao uni­ verso e, ao mesmo tempo, imanente em toda parte dele como sua causa sustentadora. Apesar de o mun­ do ter um começo (v. kalam, argumento cosmológico), nunca houve um tempo em que Deus não existisse.

Ele é um Ser Necessário que não depende de nada, mas de quem tudo mais depende para sua existên­ cia: "Sendo, pois, Deus suma essência, isto é, sendo em sumo grau e, portanto, imutável, pôde dar o ser às coisas que criou do nada..." (A cidade de Deus, livro xii, cap. 2).

Origem e natureza do universo. Segundo Agostinho, o mundo foi criado ex nihilo (v. criação, posições sobre a), do nada. A criação vem de Deus mas não é parte de Deus.

"... [tu] criaste do nada o céu e a terra, duas realidades, uma grande e outra pequena. Só tu existias, e nada mais" (Confissões, 12.7). Assim, o mundo não é eterno. Teve co­meço, não no tempo, mas com o tempo. Pois o tempo co­meçou com o mundo. Não havia tempo antes do tempo.

Quando lhe perguntaram o que Deus fazia antes de criar o mundo do nada, Agostinho retrucou que, já que Deus era o autor de todo o tempo, não havia tempo antes que ele criasse o mundo. Não foi criação no tempo mas a cri­ação do tempo que Deus executou nos seus atos iniciais (ibid., 11.13). Então Deus não fazia (agia, criava) nada antes de criar o mundo. Ele apenas era Deus.

0 mundo é temporal e mutável, e a partir dele po­ demos ver que deve haver um ser eterno e imutável.

"O céu e a terra existem e, através de suas mudanças e variações, proclamam que foram criados".

No entanto, ...o que foi criado e [...] existe,em si nada tem que antes não existisse. Do contrário, sofreria mudanças e variações.

E todaS as coisas proclamam que não se fizeram por si mes­ mas (ibid., 11.4).

Milagres. Já que Deus fez o mundo, pode intervir nele (v. Milagre). Na verdade o que chamamos natu­ reza é apenas a maneira em que Deus age regularmente na sua criação.

... Quando isso acontecer de modo regular, por assim di­ zer, como o rio sem fim das coisas que passam, fluem, per­ manecem e depois passam das profundezas para a superfí­ cie, da superfície para as profundezas, dizemos que é natu­ ral. Quando, porém, tais acontecimentos se apresentam aos observadores em desusada mudança para servir de aviso aos homens, então, os denominados milagres (A Trindade, livro ui,cap.6).

Mas até as atividades regulares da natureza são obras de Deus. Pois:

Quem faz elevar-se a umidade dos cachos de uva atra­ vés da raiz da videira e produz o vinho, senão Deus que dá o crescimento, quando o homem planta e rega? (1 Cor 3,7). Mas quando, a uma indicação do Senhor, a água se converte em vinho de modo instantâneo, até os insensatos concordam que houve intervenção direta do poder divino (Jo 2,9). Quem cobre os arbustos de folhagem e flores, senão Deus? Contu­ do, quando floresceu a vara do sarcedote Aarão, foi a divin­ dade que se fez ouvir deste modo inusitado ao homem que duvidava (Nm 17,8). (ibid., livro m, cap. 5) Seres humanos. A humanidade, como o resto do mundo, não é eterna. Os humanos foram criados por Deus e são semelhantes a ele. São compostos de um corpo mortal e de uma alma imortal (v. imortalidade).

Depois da morte, a alma aguarda a reunião com o cor­ po num estado de alegria consciente (céu) ou de tor­ mento contínuo (inferno). Essas almas serão reuni­ das com seus corpos na ressurreição. E, "depois da res­ surreição, o corpo, agora totalmente sujeito ao espíri­ to, viverá em perfeita paz por toda a eternidade" (Da doutrina cristã, 1.24).

Para Agostinho, a alma, ou a dimensão espiritual humana é de maior valor que o corpo. Na verdade, é na dimensão espiritual que a humanidade é feita à imagem e semelhança de Deus. Portanto, os pecados da alma são piores que os pecados do corpo.

O mal. O mal é real, mas não é uma substância (v.

mal, problema do). A origem do mal é a rebelião das criaturas livres contra Deus (v. .mal, problema do). "Na verdade, 0 pecado é de tal forma um mal voluntário que não é pecado a não ser que seja voluntário" (Da verdadeira religião, 14). É claro que Deus criou boas todas as coisas e deu às suas criaturas morais 0 bom poder do livre-arbítrio. Mas 0 pecado surgiu quando "... [a vontade] peca, ao se afastar do bem imutável e comum, para se voltar para 0 seu próprio bem parti- cular, seja exterior, seja interior" (O livre-arbítrio, li- vro 11, cap 19).

Ao escolher 0 bem menor, criaturas morais trouxe- ram a corrupção às substâncias boas. Assim, por natu- reza, 0 mal é a falta ou a privação do bem. O mal não existe sozinho. Como um parasita, 0 mal existe apenas como a corrupção das coisas boas.

Pois quem pode duvidar de que a totalidade do que se chama mal nada mais é que corrupção? Males diferentes po- dem, sem dúvida, receber nomes diferentes; mas 0 mal de to- das as coisas em que qualquer mal seja percebido é a corrupção (Contra a epístola dos maniqueus,38).

O mal é a ausência do bem. É como podridão para uma árvore ou ferrugem para 0 ferro. Corrompe coi- sas boas sem ter natureza própria. Dessa maneira Agostinho respondeu ao dualismo da religião maniqueísta que afirmava que 0 mal era uma realida- de igualmente eterna, mas oposta ao bem.

Etica. Agostinho cria que Deus é amor por natu- reza. Já que a obrigação humana devida ao Criador é ser semelhante a Deus, as pessoas têm 0 dever moral absoluto (v. moralidade, natureza absoluta da) de amar a Deus e ao próximo, feito à imagem de Deus.

Pois esta é a lei do amor que foi imposta pela autoridade divina: "Amarás ao próximo como a ti mesmo", mas "Amarás ao Senhor teu Deus de todo 0 teu coração e de toda a tua alma e de todo 0 teu entendimento (Da doutrina cristã, 1.22).

Logo, devemos concentrar todos os pensamentos, a vida e a inteligência naquele de quem derivamos tudo que temos. Todas as virtudes são definidas em termos desse amor.

Agostinho disse:

Quanto à virtude que nos conduz à vida feliz, afirmo que a virtude nada mais é que 0 perfeito amor a Deus. A quádru- pia divisão da virtude considero ser extraída de quatro for- mas de amor: [...] Temperança é 0 amor se entregando in- teiramente ao que ama; perseverança é 0 amor sofrendo voluntariamente todas as coisas por amor ao objeto amado;

justiça é 0 amor servindo apenas ao objeto amado,e portanto governando corretamente; prudência é 0 amor distinguindo astutamente entre 0 que 0 impede e 0 que 0 ajuda.

Assim, temperança é 0 amor mantendo-se inteiro e incorrupto para Deus; justiça é 0 amor servindo apenas a Deus, e assim governando bem tudo mais, ainda que sujeito ao homem;

prudência é 0 amor fazendo a distinção correta entre 0 que 0 impulsiona em direção a Deus e 0 que 0 impede de fazê-lo (Da moral da Igreja Católica, p. 15).

O objeto desse amor é Deus, 0 Bem Supremo. Ele é amor absoluto, e a obrigação absoluta do ser humano é expressar amor em todas as áreas de atividade, primeiro para com Deus e depois para com 0 próximo.

História e destino. No clássico Λ cidade de Deus Agostinho elaborou a primeira grande filosofia cristã da história. Ele disse que há duas "cidades" (reinos), a cidade de Deus e a cidade do homem.

Essas duas cidades têm duas origens diferentes (Deus e Satanás), duas naturezas diferentes (amor a Deus e amor próprio, orgulho) e dois destinos di- ferentes (céu e inferno).

A história caminha para 0 fim. Quando 0 tempo ter- minar, haverá a vitória definitiva de Deus sobre Satanás, do bem sobre 0 mal. O mal será separado do bem, e os justos serão ressuscitados com corpos perfeitos para viver no estado perfeito. O paraíso perdido no começo da história será reconquistado por Deus no final.

A história é de Deus. Deus está realizando seu pia- no soberano, e no final derrotará 0 mal e aperfeiçoará 0 homem.

Assim, temos uma resposta ao problema de por que Deus teria criado os homens, quando antecipadamente sa- bia que estes iriam pecar. Foi porque tanto neles quanto por meio deles ele poderia revelar quanto merecia a culpa do homem e quanto a graça de Deus perdoou, e também por- que a harmonia de toda a realidade que Deus criou e con- trola não pode ser deformada pela perversa discórdia dos que pecam (A cidade de Deus, 14).

Avaliação. Agostinho foi criticado por muitas coi- sas, mas talvez mais por aceitar acriticamente 0 pen- sarnento platônico e neoplatônico (v. Plotixo). Ele até mesmo rejeitou algumas das primeiras posições pia- tônicas no seu livro Retratações, escrito perto do fim da sua vida. Por exemplo, por algum tempo ele acei- tou a doutrina platônica da preexistência da alma e da lembrança das idéias da existência prévia.

Infelizmente, houve outras idéias platônicas que Agostinho jamais repudiou. Entre elas estava o dualismo platônico do corpo e da alma em que os se­ res humanos são almas e apenas têm corpos. Junta­ mente com isso, Agostinho defendia uma posição muito ascética dos desejos físicos e do sexo, mesmo dentro do contexto do casamento.

Além disso, a epistemologia de Agostinho sobre as idéias inatas foi contestada por empiristas modernos (v. Hume, David), assim como sua posição sobre o iluminis-mo. E mesmo alguns teístas questionam se o argumento dele para provar a existência de Deus a partir da verdade realmente funciona, perguntando por que a Mente absoluta é necessária como fonte da verdade absoluta.

Até algumas pessoas que aceitam o teísmo clássi­ co de Agostinho destacam sua incoerência em não de­ monstrar a unicidade (singularidade) das idéias divi­ nas. Isso resultou da aceitação das idéias como for­ mas platônicas irredutivelmente simples, muitas das quais não são possíveis numa substância simples (v.

um e muitos, problema de). Esse problema foi resolvido mais tarde por Tomás de Aquino com a distinção en­ tre realidade e potencialidade na ordem da existência (v. monismo), que foi expressa na doutrina da analogia.

Fontes Agostinho, Contra a epístola dos inaiiiqueus.

_____, Da doutrina cristã.

_____, A cidade de Deus.

_____, Confissões.

_____, Cartas.

_____,Da verdadeira religião.

_____, 0 livre-arbítrio.

_____, Da predestinação.

_____, Do credo.

_____, Do evangelho de João.

_____,Da moral da Igreja Católica.

_____,.4 Trindade N. L. Geisllr, What Augustine says.

E. Przy'.vara,.4/i Augustine synthesis.

EXTRAÍDO: ECICLOPÉDIA DE APOLOGÉTICA- NORMAN GEISLER ED. VIDA

A CIÊNCIA DE INTERPRETAR A BÍBLIA - PR. MÁRCIO RUBEN
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