O ANTIGO TESTAMENTO NO NOVO

O ANTIGO TESTAMENTO NO NOVO TESTAMENTO

E ao anjo da igreja que está em Filadélfia escreve: Isto diz o que é santo, o que é verdadeiro, o que tem a chave de Davi; o que abre, e ninguém fecha; e fecha, e ninguém abre:Apocalipse 3:7
 E porei a chave da casa de Davi sobre o seu ombro, e abrirá, e ninguém fechará; e fechará, e ninguém abrirá.
Isaías 22:22

Análise do uso interpretativo (hermenêutico) do Antigo Testamento: Apocalipse 3.7 em seu contexto Apocalipse 3.7 como uso tipológico do Antigo Testamento no Novo Testamento João aplica Isaías 22.22 a Cristo. Isso é, no mínimo, um uso analógico do AT no NT: o que foi dito sobre Eliaquim agora, por analogia, se diz sobre Cristo. Contudo, existe uma razão para pensar que se trata de mais do que simples analogia. João entende Isaías 22.22 como uma profecia sobre Cristo, não por meios verbais diretos, mas pelos acontecimentos proféticos narrados acerca de Eliaquim que ocorreram no período veterotestamentário. Como não se trata de previsão verbal direta, é tipológica porque é uma prefiguração histórica, ou prenuncio, do que deve acontecer em escala grandiosa em relação ao futuro Messias (veja elaboração mais detalhada de "tipologia" no início do capítulo 4 deste manual, inclusive com exemplos de outros usos tipológicos). Talvez a intenção de Isaías diga respeito apenas ao contexto histórico, mas o intento divino inclui este e também a prefiguração da futura relação do Messias com a "casa de Davi" . Veremos, porém, que o profeta Isaías tinha algum grau de noção de que a história iminente que estava narrando acerca de Eliaquim apon­ tava para além dele, na direção de outro, que viria fazer o que Eliaquim não fora capaz de realizar.A principal correspondência tipológica entre Eliaquim e Cristo é que Cristo, como Eliaquim, tem controle e poder absolutos sobre o trono davídico, na condição de rei. Enquanto a autoridade de Eliaquim era sobretudo política e exercida sobre um reino físico (embora haja indicações de sua possível função sacerdotal), o contexto imediato de Apocalipse 3.7 chama a atenção para o fato de que o reino de Cristo começou de modo espiritual. Isto é, afirma-se que sua soberania deve ser exercida em relação a quem ia ser recebido, ou não, em seu palácio ou reino espiritual. Essa ideia é salientada quando se observa que cada uma das representações que Cristo se atribui no início de cada carta é um desenvolvimento alusivo a alguma referência a ele no capítulo 1. Essa segunda parte em que ele se autodefine, em 3.7, baseia-se em 1.18b, versículo no qual Jesus afirma possuir "as chaves da morte e do inferno" . Nesse sentido, a citação de Isaías 22.22 amplia a interpretação do que significa Jesus ter "as chaves da morte e do inferno" . Que essas imagens se baseiam em 1.18b é evidente pelas duas observações. Primeiro, praticamente as mesmas expressões ocorrem em ambos os textos: compare "aquele que tem a chave" em 3.7 com "tenho as chaves" em 1.18b. Em segundo lugar, conforme mencionado acima, todas as outras definições introdutórias que Cristo se atribui desenvolvem expressões

 do capítulo 1 (a palavra que vem logo antes de 3.7b, "verdadeiro" , desenvolve "fiel" em 1.5, como está evidente em 3.14, em que Cristo chama a si mesmo de " a testemunha fiel e verdadeira", definição que também desenvolve o v. 1.5).

Essas chaves são chamadas de "chaves da morte e do inferno" em Apocalipse 1.18b; agora, em 3.7b, a expressão é substituída pela citação de Isaías 22.22: "aquele que tem a chave de Davi: o que abre e ninguém pode fechar, e o que fecha e ninguém pode abrir" (parece que a diferença entre o singular, "chave", e o plural, "chaves" , não tem importância). O objetivo da substitui­ ção é ampliar a ideia da expressão original de 1.18 b, destacando a soberania que Cristo tem sobre a esfera "da morte e do inferno" . A explicação é que essa soberania consiste no reino davídico prometido, que Cristo herdou e exerce.

A citação de Isaías quer ressaltar que Jesus tem o poder sobre a salvação e o juízo. Em Apocalipse 1.18, a ênfase é em sua soberania sobre a morte e o juízo, enquanto, em 3.7, a ênfase é em sua autoridade sobre os que entram no reino.

João compara a situação histórica de Eliaquim em relação a Israel com a de Cristo em relação à igreja para ajudar o leitor a compreender melhor a posição que Cristo agora tem, de cabeça do Israel verdadeiro, e que isso afeta esse leitor.

Além disso, o controle político de Eliaquim se estendia a Jerusalém, Judá e à casa de Davi, mas a soberania espiritual inaugurada de Cristo é concebida para se estender sobre todos os povos (inclusive os gentios da igreja de Filadélfia e de outros lugares). À luz do contexto amplo do livro inteiro de Apocalipse, o reinado de Cristo começa a ser exercido sobre um reino espiritual. Todavia, na consumação de seu reino messiânico, ele governará espiritualmente e sobre o reino físico dos novos céus e da nova terra (p. ex., Ap 11.15; 22.3). Desse modo, o governo de Eliaquim prefigura o governo maior de Cristo.

O contexto imediato direto de Isaías 22.22 revela outras correspondên­ cias tipológicas possíveis entre Eliaquim e Cristo, que também poderiam estar repercutindo na mente de João (e de Jesus):

1. Assim como o cargo de Eliaquim talvez incluísse algumas atribuições sacerdotais, essas atribuições também são incluídas em escala grandiosa no ofício real de Cristo.7 7 Vimos acima que a paráfrase targúmica de Isaías 22.22: "Porei a chave do santuário e a autoridade da casa de Davi em sua mão", entende que o cargo de Eliaquim tinha natureza sacerdotal (o v. 24 do Targum também entende os parentes de Eliaquim como sacerdotes que dependiam dele para ter glória); de igual modo, a Midrash Rabbah de Êxodo 37.1 posterior entende que Eliaquim, em Isaías 22.23, é "sumo sacerdote". E não é coincidência que em Apocalipse 3.12 Cristo também seja retratado com poder sobre quem entra no templo de Deus, o que indica além, para associações sacerdotais: "Farei do vencedor uma coluna no templo do

2. Assim como Eliaquim tinha de ser um pai para o povo, Cristo também é, em escala maior (note-se a referência a "Pai da Eternidade" na profecia messiânica de Isaías 9.6, o que provavelmente repercute na referência a Eliaquim como "pai" em Is 22.21).

3. Assim como o poder de Eliaquim era igual ao do rei, o poder de Cristo também é igual ao de Deus.

4. Assim como o cargo de Eliaquim teve estabilidade e êxito concedidos pelo Senhor, o de Cristo também tem estabilidade e êxito garantidos não só por Deus Pai, mas também pelo próprio Cristo; Eliaquim não tinha as qualidades intrínsecas nem o poder para fazer isso, mas Cristo tem, porque possui os atributos divinos de " santo" e "verdadeiro" (3.7).8 5. Assim como a capacidade de Eliaquim para exercer as funções políticas do seu cargo traria glória temporária a seus parentes físicos, também a capacidade de Cristo de agir em sua função (morte, ressurreição e depois o Reino) resultará no compartilhamento de sua semente espiritual em sua glória eterna (cf. Ap 4.9-11; 5.12, 13 e Ap 2 1.11, 23-26).

6. Ao passo que o cargo de Eliaquim com poderes de rei não duraria para sempre, o Reino de Cristo é eterno.

Meu Deus". Observe também a provável descrição sacerdotal de Cristo em Apocalipse 1.13.

A esse respeito, v. G. K. Beale, The Book o f Revelation, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1999), p. 208-209. Em Apocalipse 3.1Z, o estabelecimento permanente do vencedor como coluna no templo também pode dar prosseguimento às imagens de Isaías 22.22-24, em que os parentes de Eliaquim alcançam a glória pendurando-se nele como se ele fosse um prego firmemente preso a uma parede. Algumas testemunhas do AT grego chegam até a se referir a Eliaquim como a "coluna" estabelecida em Isaías 22.23 (Vaticanus, Orígenes e Q falam em stêloõ, "estabelecerei uma coluna" ou "inscreverei em uma coluna", seguindo, portanto, H.

Kraft, Die Offenbarung des Johannes, HNT 16a [Tübingen: Mohr Siebeck, 1974], p. 82; cf.

J. Fekkes, lsaiah and Prophetic Traditions in the Book o f Revelation: Visionary Antecedents and their Development, JSNTSup 92 [Sheffield: JSOT Press, 1994], p. 130-133, embora o autor seja cético em relação à influência da LXX). Ao contrário dos dependentes de Eliaquim, que acabam perdendo a glória e a posição no palácio quando ele foi finalmente exonerado (cf.

Is 22.23-25), os seguidores de Jesus jamais serão depostos de sua posição no palácio-templo porque Jesus, o "verdadeiro" Messias, jamais perderá sua posição de realeza na presença do seu Pai (daí "coluna" ser uma metáfora para permanência).

8 A expressão "o santo, o verdadeiro" designa um atributo divino em outra parte do Apocalipse (v., p. ex., 6.10). Portanto, seu uso aqui é indicativo da divindade de Jesus. De fato, hagios (santo) é usado para Yahweh quase que exclusivamente em Isaías, como parte do título ~o Santo de Israel" (cerca de vinte vezes). É provável que o pano de fundo de Isaías esteja presente aqui em antecipação da continuação direta da citação de Isaías 22.22 e das alusões * lsaÍ2s de Apocalipse 3.9, texto no qual Jesus assume o papel de Yahweh e seus seguidores representam o verdadeiro Israel (v., a esse respeito, Beale, Revelation, p. 287-289).

Embora seja difícil saber se as seis ideias contextuais de Isaías estavam em alguma medida na mente do autor, juntos os paralelos mostram por que essa passagem do AT era tão atraente e convidativa para ser aplicada a Cristo. Por fim, Isaías 22.22 apresenta uma imagem profético-tipológica de Cristo no papel de rei e soberano absoluto do reino messiânico, a conclusão definitiva do que fora apenas retratado apenas em parte na figura histórica e no cargo de Eliaquim.

LBgitimação de Isaías 22.22 como profecia tipológica indiretamente expressa No capítulo 5 deste manual, argumentamos que um dos pressupostos subjacentes ao uso do AT no N T era que os mesmos modelos de fatos históricos passados ocorrerão novamente em escala maior por causa da soberania absoluta de Deus sobre a história e do seu propósito de que a história tenha uma unidade essencial. Dissemos também que esse pressuposto é um alicerce essencial da tipologia. Que a passagem sobre Eliaquim é exemplo disso é evidente pelas considerações a seguir, as quais mostram que o uso de Isaías 22.22 por João não é mera aplicação analógica, mas também um indicador tipológico indireto (comunicado pela narrativa histórica de Isaías, e não como profecia messiânica diretamente expressa). Esse tipo de análise deve ocorrer sempre que procuramos classificar um uso do AT como tipológico, e não meramente analógico, e é uma das razões que me levou a escolher esta passagem em particular como exemplo do uso do AT no N T neste capítulo.

Em primeiro lugar, sempre que Davi é mencionado em associação a Cristo no NT, normalmente é possível discernir conotações proféticas e messiânicas (p. ex., M t 1.1; 22.42-45; M c 11.10; 12.35-37; Lc 1.32; 20.41-44; Jo 7.42; At 2.30-36;

13.34; 15.16; Rm 1.1-4; 2Tm 2.8; cf. outros lugares em que os sofrimentos de Davi são tipo do sofrimento de Cristo: SI 22.18 em Jo 19.24; SI 69.21 em Jo 19.28).

As únicas outras ocorrências de "casa de Davi" no N T têm a mesma nuança profética (Lc 1.27, 69; assim também "tabernáculo de Davi" em At 15.16), tal como as únicas referências restantes a Davi no Apocalipse, ambas são alusões a profecias messiânicas de Isaías (Ap 5.5; 22.16 [cf. Is 1.11, 10]).

Em segundo lugar, a referência a Eliaquim como "Meu Servo" em Isaías 22.20 teria sido facilmente associada às profecias messiânicas do Servo de Isaías nos capítulos 42 a 53, uma vez que a expressão ocorre ali cinco vezes com esse sentido.9 9 A mesma expressão no singular ocorre nove vezes em Isaías 41-45 para referir-se à nação infiel de Israel, com a qual o Servo messiânico fiel é contrastado, mas também sintetiza e repre­ senta; fora dessas ocorrências, os Cânticos do Servo e Isaías 22.20, a expressão "Meu servo" ocorre apenas duas vezes em Isaías - referindo-se ao próprio profeta (20.3) e a Davi (37.35).

Em terceiro lugar, em Isaías 22, o relato da colocação da "chave da casa de Davi [= responsabilidade administrativa pelo reino de Judá] sobre seus [de Eliaquim] ombros" , a menção a ele como um "pai" para os de "Jerusalém e para a casa de Judá" , e a referência a ele "tornando-se um trono de glória" - tudo isso facilitaria essa interpretação profética de Isaías 22.22, uma vez que tais palavras são surpreendentemente paralelas à profecia do futuro gover­ nante israelita de Isaías 9.6, 7 (" O governo está sobre seus ombros [...] e o seu nome será [...] Pai Eterno", que se senta "sobre o trono de D avi"). Conforme mencionado antes, é provável que Isaías 22.22 aplique intencionalmente o vocabulário acerca do Rei messiânico futuro a Eliaquim para transformá-lo numa figura que poderia cumprir a profecia de Isaías 9. Conforme vimos, Deus não decidiu que Eliaquim fosse essa figura, por isso sua palavra, com força de decreto, faz Eliaquim cair e não alcançar o que Isaías 9 prevê. Por outro lado, Deus promete que, em algum momento do futuro, finalmente levará a efeito esse cumprimento em alguém que há de personificar o relato profético: " O zelo do Senhor dos exércitos fará isso" (Is 9.7).

Se a ligação inferida entre Isaías 9.6-7 e 22.22 estiver correta, é provável que o próprio Isaías tivesse algum conhecimento dela e considerasse Eliaquim não só alguém que não era capaz de cumprir a profecia anterior, mas também um indivíduo cujo fracasso apontava para o sucesso definitivo de outro que a cumpriria. De acordo com isso, Apocalipse 3.7 reconhece que o modelo de Isaías 9 - refletido parcial e temporariamente em Eliaquim e que Isaías entendia que indicava outro no futuro - finalmente se cumpriu em Jesus.

Em quarto lugar, se observarmos as alusões intencionais às passagens do Servo da profecia (Is 43.4; 45.14; 49.23) no contexto imediatamente seguinte de Apocalipse 3.9, fica ainda mais evidente que Isaías 22.22 é considerado em sentido profético e tipológico. Essas alusões, porém, agora se aplicam à igreja em vez da nação teocrática de Israel (como em Isaías), embora a explicação para isso esteja no entendimento da identificação coletiva da igreja com Jesus como o servo de Deus e o verdadeiro Israel1 0 (p. ex., Is 49.3-6 e o uso de 49.6 em Lc 2.32; At 13.47; 26.23).

Em quinto lugar, Gerhard von Rad também defendeu um entendimento tipológico desse texto do AT em Apocalipse 3.7, embora com uma base um pouco diferente, mas plausível, do que a argumentação até aqui neste capítulo.

Sobre essa ligação, ele diz:

1 0 V., a esse respeito, Beale, Revelation, p. 386-389. Vale lembrar que Cristo e a igreja cumprem a profecia sobre Israel no AT, o que faz parte da base do pressuposto discutido no capítulo 5 no tocante a Jesus e à igreja no papel de representantes do verdadeiro Israel do fim dos tempos.

A série de pronunciamentos salvíficos do AT fala do chamado de indivíduos carismáticos e de pessoas convocadas para cargos importantes... No caso de alguns relatos do chamado e do insucesso dos líderes carismáticos (Gideão, Sansão e Saul), estamos lidando com composições literárias que já mostram uma tendência tipológica, uma vez que os narradores estão preocupados apenas com o fenômeno da ascensão e rápida queda do indivíduo convocado.

Aqui também, em cada caso, há um cumprimento, a prova do carisma e da vitória. De repente, porém, esses homens são exonerados, Yahweh não pode mais levá-los em consideração e a história termina com o leitor achando que, como Yahweh até então não conseguiu encontrar um instrum ento adequado, a comissão permanece sem cumprim ento. N ão podem os dizer que, em cada uma dessas histórias, os desígnios de Yahweh transcendem m uito o contexto histórico delesf O que aconteceu às atribuições de um governo universal por Yahweh para os reis de Judá? É impossível que os leitores pós-exílicos e os que transmitiam esses textos messiânicos os considerassem apenas documentos veneráveis de um passado glorioso, mas desaparecido... Esses homens [Saul, Davi, entre outros] morreram; mas as tarefas, os direitos e as promessas divinas associadas a eles foram passadas às gerações seguintes. A perícope Sebna- -Eliaquim é um excelente exem plo dessa transmissão... O s poderes plenos e quase messiânicos do indigno Sebna são transferidos, e solenem ente renovados, para Eliaquim . Contudo, ele também falhará. Portanto, o cargo de " chave de D avi " continuou sem ser preenchido até que finalmente pudesse ser depositado aos pés de Cristo (grifo meu).11 Desse modo, quando vários segmentos do AT apresentam agrupamentos repetidos de narrativas sobre Yahweh chamando as pessoas para preencher certos cargos (p. ex., juizes, profetas, sacerdotes, reis), o malogro recorrente dos comissionados, seguido de juízo e da repetição incontável do mesmo ciclo de fracasso e juízo - tudo isso faz parte da estratégia do narrador para fazer o leitor pensar em alguém que viria enfim cumprir a comissão. E provável que pelo menos alguns leitores tenham compreendido esse recurso narrativo, uma vez que também estavam cientes das atribuições em outras partes do AT em textos messiânicos que falam de um governo universal definitivo exercido por um indivíduo ideal que cumpriria essas comissões. É plausível que Apocalipse 3.7 tenha lançado mão da mesma pista narrativa do contexto de Isaías 22.22 (esp.

à luz do paralelo anterior sobre o Messias vindouro em Isaías 9.6, 7) e a tenha aplicado a Jesus, o Messias.

"G. von Rad, Old Testament Theology (New York: Harper & Row, 1965), v. 2, p. 372-373.

Acrescentamos parte dessa citação nos capítulos 1 e 4, mas, como von Rad aplica seu significado especificamente ao uso de Isaías 22 em Apocalipse 3, cabe citar novamente parte dela aqui.Em sexto lugar, o uso de Isaías 22.22 em Apocalipse 3.7 atende às principais exigências de um tipo: correspondência, historicidade, intensificação, natureza de profecia e uma posição interpretativa retrospectiva (a última esclarece o entendimento tipológico do próprio Isaías em Is 22.22).

Uso de Isaías 22.22 em outras partes do Novo Testamento ou no cristianismo primitivo Essa passagem do AT não ocorre em outras partes do NT.1 2 Também não apa­ rece de maneira considerável nos pais da igreja.1 3 Implicações teológicas Cristologia 1. Para João, Cristo se identifica com Yahweh. Assim como Eliaquim tinha status igual ao do rei de Israel, Cristo também tem o mesmo status de Deus, o rei escatológico. A referência a Jesus como "santo" e "verdadeiro" (a primeira delas, conforme vimos, é um atributo de Deus que se repete em Isaías)14 vem imediatamente antes da citação de Isaías 22.22 e com isso aumenta a identifi­ cação de Jesus com Deus.

2. Cristo também é o governante do Israel escatológico.

Soteriologia A autoridade salvífica de Cristo diz respeito sobretudo à sua soberania sobre quem entra no Reino. Cristo "abre" a porta para alguns e a "fecha" para outros; a salvação e a exclusão do reino se baseiam na vontade definitiva de Deus, e não na vontade ou em ações humanas. Não obstante, no contexto de Apocalipse 1- 3, as pessoas também são responsáveis no que diz respeito a lzO NA2 7 lista Isaías 22.22 como alusão em Mateus 16.19; D. A. Carson, Matthew, Chapters 13 through 28, EBC (Grand Rapids: Zondervan, 1995), p. 370, classifica Isaías 22.15, 22 como possível alusão, embora não teça mais comentários sobre seu significado. A presente discussão não tratará de Mateus 16.19, uma vez que não está claro se alude a Isaías 22.22.

1 3 Em seu Comentário sobre o Evangelho de João 5.4, Orígenes cita Isaías 22.22 para dizer que o Senhor é o supremo e definitivo intérprete e revelador da Bíblia, modo semelhante ao que vemos o judaísmo tardio referir-se. O Discurso e Panegírico Dirigido a Orígenes 15, de Gregório Taumaturgo, cita Isaías 22.22 ou Apocalipse 3.7 em apoio à ideia de que uma pessoa pode compreender e interpretar corretamente as Escrituras somente pela revelação do Espírito.

1 4 V. a nota 8 sobre esta expressão na p. 183. De igual modo, "santo" e "verdadeiro" são atributos divinos em Apocalipse 6.10.

responderem com fé no Cristo crucificado e ressurreto (para essa descrição de Cristo, v. 1.5, 6, 17, 18).15 Segurança eterna Todo aquele para quem Cristo abre a porta do Reino ali permanecerá para sempre. Essa ideia é expressa em 3.12 com a declaração: "Farei do vencedor uma coluna no templo do meu Deus, de onde jamais sairá" .

Eclesiologia Nessa passagem, Cristo é retratado como a cabeça do corpo da igreja, o rei davídico do verdadeiro Israel dos últimos dias, que dirige suas atividades e oportunidades.1 6 Evangelização A soberania de Cristo ao conceder uma "porta aberta" de salvação aos cristãos de Filadélfia também é uma "porta aberta" para que eles sejam eficientes na transmissão da mensagem de salvação aos não crentes. Tal entendimento da parte desses cristãos podia ser motivação para compartilharem a mensagem do evangelho com outros.

Uso retórico (aplicação pastoral) A retórica é a forma que um autor usa sua mensagem para levar os leitores a ratificar certos objetivos teológicos e éticos. A posição soberana de Cristo como rei e sacerdote escatológico, como um Eliaquim maior, e a identificação dos crentes com ele visam assegurar aos cristãos da Filadélfia que eles de fato parti­ cipam da salvação e do templo dos últimos dias como vencedores e governantes.

Eles precisam desse ânimo porque têm "pouco poder" em comparação com a sociedade ameaçadora à volta deles (Ap 3.8). Essa garantia tem o objetivo de motivá-los a continuar perseverando com ousadia diante da oposição contra os que se identificam com Cristo e proclamam o evangelho (v. 8a), uma vez que podem ter a certeza de que seu testemunho será eficaz (v. 9). Além disso, o Israel étnico, que se diz o agente divino, brandindo o poder da salvação e do juízo, tinha excluído os cristãos de sua " sinagoga" , embora esse Israel étnico 1 5 Portanto, há uma tensão entre a soberania divina e a responsabilidade. V., a esse respeito, Beale, Revelation, p. 518.

1 6 Este ponto merece um detalhamento, porém devo me dar por satisfeito em direcionar o leitor para minha discussão de Apocalipse 3.8, 9, 12 em Beale, Revelation, p. 285-289, 293-296.

não conservasse mais essa posição uma vez que rejeitara a Cristo. Entretanto, por causa da identificação com Cristo no templo verdadeiro (v. 12), seus segui­ dores podem ter certeza de que as portas da verdadeira sinagoga (templo) estão abertas para eles, ao passo que essas mesmas portas, do templo verdadeiro, permanecem fechadas para os que rejeitam a Cristo. Não obstante, Cristo usará o testemunho desses cristãos para "abrir a porta" do templo verdadeiro exatamente para os judeus que rejeitaram o Salvador e a eles (3.8, 9). Saber que Cristo lhes dará uma "porta aberta" para transmitir o evangelho aos não crentes deve motivá-los a fazer isso, pregando-o inclusive aos judeus que se opõem a eles. Quando as pessoas têm o poder para cumprir as ordens difíceis de Deus, maior é a motivação delas para obedecer a essas ordens.

A exemplo das outras seis cartas, Cristo se apresenta nesta (Ap 3.7) com atributos particularmente adequados à situação problemática da igreja. A fé em Jesus, que tem esses atributos, é a base e a motivação para vencer os desafios enfrentados e herdar as promessas dos últimos dias, de identificação com Cristo e tudo o mais que isso acarreta.

Conclusão Poderíamos ter escolhido muitos outros exemplos de estudo de caso sobre o uso do AT no NT. Contudo, o que selecionamos para este capítulo é uma tentativa de apresentar um caso bastante típico, sobretudo no que diz respeito a quanto o contexto do AT é importante para interpretar uma passagem do AT no NT.

Vou dar a lista das fontes nas quais buscar uma amostra de outras passagens no excurso a seguir, que também poderá servir de estudo de casos clássicos.

Excurso Uma amostra de outros estudos de caso sobre o uso do Antigo Testamento no Novo Como dissemos na introdução deste Manual, a abordagem elaborada ao longo de todo o livro é uma tentativa de explicar o método interpretativo por trás de muitos estudos do AT no NT em nosso Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento,1 7 Poderíamos ter acrescentado aqui muitos exemplos extraídos do comen­ tário. Para obter bons exemplos do método explicado no capítulo 3 e dos vários usos analisados no capítulo 4 deste manual, basta consultar os capítulos iniciais de Craig L. Blomberg (sobre Mateus), Rikk E. Watts (sobre Marcos) e David W. Pao e Eckhard.

EXTRAÍDO DO  MANUAL DE USO DO ANTIGO TESTAMENTO NO NOVO TESTAMENTO - G K BEALE - EDITORA VIDA NOVA



A CIÊNCIA DE INTERPRETAR A BÍBLIA - PR. MÁRCIO RUBEN
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